sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

9 de Janeiro de 2014 - 30 anos de Transas e Caretas


Reginaldo Faria (Jordão) e Natália do Valle (Marília) (Foto: CEDOC/TV Globo)
“Ponha o pé na lua e descubra que o futuro está perto

Siga seu robô, tome cuidado como vai programar…”

Com uma música animada na abertura – gravada pelo Trio Los Angeles – iniciava, há 30 anos (no dia 9 de janeiro de 1984), a novela “Transas e Caretas”, de Lauro César Muniz, às sete da noite, na Globo. A premissa era pra lá de atraente na época: mulher quer casar um dos dois filhos para lhe dar um neto e a continuidade nos negócios da família, mas os rapazes são avessos ao casamento, e um – ultra moderninho – é o oposto do outro- tradicional e conservador.
Eu – adolescente na época e sem muitas obrigações a não ser tirar notas boas no colégio – era aficionado por essa novela. Ela mesclava muito bem o antigo e o novo, o conservador e o moderno, o “careta e o transado”, através das figuras de Jordão (Reginaldo Faria), que vivia ainda no Brasil Colonial, com direito a mucama e tudo (Zezé Motta), e Thiago (José Wilker), ligado no futuro. Thiago chamava mais a atenção, claro: seu apartamento lembrava a casa dos Jetsons, cheio de parafernálias futuristas. Ele inclusive tinha um robozinho, Alcides – na verdade, o anão Quinzinho, que trabalhava com os Trapalhões, na época, caracterizado de robô. Thiago é o que hoje chamaríamos de “geek”, alguém fissurado por tecnologia e modernidade.
Eva Wilma ganhava mais uma personagem rica e engraçada (como Rebeca de “Plumas e Paetês” e Márcia de “Elas por Elas”, trabalhos anteriores). Ela era Francisca Moura Imperial, que tinha o curioso apelido de FMI, iniciais de seu nome e sigla do Fundo Monetário Internacional. Francisca era uma mulher de negócios controladora, mas que não conseguia penetrar no universo dos dois filhos, de temperamentos opostos. Eva Wilma começou a novela como uma Francisca sisuda, mas que aos poucos foi se liberando e caindo na comédia. Representava bem a evolução da personagem. No início, Francisca era uma senhora idosa que resolve fazer uma cirurgia plástica, que lhe remoça vinte anos. Eva Wilmaaparecia com uma pesada maquiagem que lhe dava a aparência de velha. Depois da tal plástica, a atriz largou a caracterização.
E tinha Natália do Valle, no auge de sua beleza. A atriz esbanjava charme através de sua personagem, Marília, que se submete à vontade de Francisca em seduzir um dos seus filhos e lhe dar um neto. Claro que tanto Jordão quanto Thiago se apaixonam por ela e passam a disputá-la. O entrecho folhetinesco estava na dúvida de Marília, que, de casamento marcado com Jordão, tem que se decidir entre o casamento com ele ou fugir com Thiago, por quem era verdadeiramente apaixonada.
Jordão é abandonado no altar. É quando ganha força na história a personagem Liana, vivida por Lady Francisco. Ela era uma dançarina de cabaré, simples e despachada, com quem Jordão foi chorar suas mágoas e acabou se apaixonando, para o terror de Francisca, que não suportaria ver o filho casado com aquela mulher, o oposto do que ela sempre sonhou para nora. Liana também tinha que disputar Jordão com Sofia (Renata Sorrah), professora de música erudita apaixonada pelo rapaz, mas extremamente tímida e reprimida para se declarar. Achava hilárias as sequências em que Sofia chorava e reclamava de seu sofrimento enquanto destruía as flores dos vasos. Era Renata Sorrah, mais uma vez, fazendo deliciosamente papel de mulher sofrida e mal amada.
Esses personagens eram os que eu mais curtia em “Transas e Caretas”: Francisca, Thiago, Marília, Jordão, Liana, Sofia e, claro, o robô Alcides, que virou uma espécie de mascote para a novela. Mas havia tramas paralelas importantes, como a da sofrida Ana (Aracy Balabanian), irmã de Marília, uma mulher cansada de viver oprimida pelo marido machão, Marcos (Jece Valadão, quem mais?!). Ela fica balançada diante de um novo amor, Renato (José de Abreu), mas, descobertos, o casal de amantes passa a ser perseguido por Marcos. Foi quando entrou a ação da Censura, que não via com bons olhos uma mulher dona-de-casa, mãe de família, ter um amante às sete da noite. Renato chegou a ser afastado da novela.
Lídia Brondi também atuava em “Transas e Caretas“. Ela era Luciana, uma das namoradas de Thiago. Mas a atriz saiu na metade da novela porque descobriu-se grávida. Uma trama que ganhou força no lado cômico era a que envolvia os pretendentes de Francisca depois que ela rejuvenesceu vinte anos. Novamente atraente e – principalmente – podre de rica, ela virou alvo do ex-marido Roberto (Paulo Goulart), pai de Thiago e Jordão, do conquistador Marcos Jacinto (Henrique Martins) e do secretário atrapalhado Danilo (Otávio Augusto). Mas Francisca termina mesmo é na cama com seu motorista, Aderbal (Germano Vezani), bem mais jovem que ela.
A trilha sonora de “Transas e Caretas” é uma das minhas preferidas. A nacional, além do tema de abertura do Trio Los Angeles, tinha as belíssimas “Fogueira”, de Ângela Rô Rôgravada por Maria Bethânia, e a icônica “Baby”, na voz de Gal Costa. Também as divertidas “Inútil”, com o Ultraje à Rigor, e “Brega Chique”, com Eduardo Dusek (“Doméstica! Ela era doméstica! Sem carteira assinada, só caía em cilada, era empregada doméstica!”). A trilha internacional era repleta depop hits da época: “Let´s Stay Together” com Tina Turner, “Ebony Eyes” com Rick James, “Almost Paradise” com Ann Wilson e Mike Reno, “Souvenir Of China” com Jean-Michel Jarre, “Joana” com Kool and The Gang, “Eva” com Umberto Tozzi, e outras.
Penso que hoje em dia, a sinopse de “Transas e Caretas” ainda renderia uma boa novela. As possibilidades para o geekThiago seriam infinitas, com computadores pessoais, Internet, redes sociais, e muito mais. O único senão é o robô doméstico: o que soava como ficção científica em 1984, é uma realidade hoje em dia – inclusive já abordada em novelas recentes, como “Tempos Modernos” e “Morde e Assopra”.
Transas e Caretas” não foi um grande sucesso. Pelo contrário, da metade para o fim, a novela perdeu o vigor inicial. Mas a guardo com saudade em minha memória afetiva, como uma das mais representativas da década de 1980, a década da corrida espacial, da Guerra Fria e da iminência da terceira guerra mundial. Não é à toa que George Orwell ambientou sua ficção científica “1984” nesse ano – o ano da novela.

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