domingo, 16 de dezembro de 2012

ENTREVISTA: MANOEL CARLOS


Melão entrevista Manoel Carlos: “Lilian Lemmertz foi, sem nenhuma dúvida, a criadora da Helena”






Mais um grandioso presente de final de ano para o melão e seus leitores. Particularmente, fiquei muito feliz e honrado com essa entrevista, já que se trata de um de meus autores favoritos, afinal Manoel Carlos povoa meu imaginário desde sempre. Mais precisamente, desde as remotas lembranças que tenho de “Sol de verão”, novela que foi ao ar quando eu tinha 5 anos de idade, mas já me impressionava com a atuação de Tony Ramos, passando pelo LP internacional da novela “Baila Comigo” que pertencia às minhas primas e que eu passei praticamente toda a infância ouvindo, observando a capa e tentando imaginar do que se tratava a trama (naquela época a internet não era nem projeto), até assistir de fato a uma primeira trama de sua autoria, “Felicidade”, em reprise atualmente no “Canal Viva”. A partir daí minha admiração por ele só aumentou com as novelas “História de amor” (1995), “Por amor” (clássico de 1997) e “Laços de Família” (2000). Nenhum autor consegue dar tanta dimensão humana a seus personagens como Maneco, que também é dono dos diálogos mais naturalistas de nossa teledramaturgia. Suas novelas são deliciosas crônicas do cotidiano, mas que nunca abrem mão dos melhores ingredientes do folhetim. Claro que, se como espectador já era fã de carteirinha, como autor ele é uma verdadeira inspiração.

Mesmo atribulado com os preparativos para sua próxima novela, o autor cedeu gentilmente um pouco de seu tempo para responder a algumas perguntas sobre sua vasta carreira. Ele relembra a primeira Helena, vivida pela saudosa e maravilhosa Lilian Lemmertz em “Baila Comigo” e comemora o fato da filha dela, Julia, ser a próxima. Maneco também fala de trabalhos anteriores, de processo de trabalho, das campanhas sociais em suas novelas, de suas preferências como telespectador, revela alguns nomes confirmados para a próxima novela e confessa o desejo de trabalhar com uma grande atriz com quem nunca trabalhou, além de muitos outros assuntos. Enfim, um prato cheio para todos os fãs do autor e pra todo mundo que ama e admira teledramaturgia. Mais uma vez, o melão estende o tapete vermelho para um grande nome de nossa tevê. Com vocês, Manoel Carlos!



Desde que você anunciou que Julia Lemmertz seria sua última Helena, suscitou uma enorme curiosidade por parte do público a respeito de sua próxima novela.  O que você já pode adiantar a respeito dela?

Manoel Carlos - A minha novela está prevista para estrear na segunda quinzena de janeiro de 2014. Daqui a um ano, portanto. A sinopse, já aprovada, tem dois nomes provisórios: FÊNIX e EM FAMÍLIA.  Ainda estou fazendo mudanças, corrigindo algumas trajetórias da trama, etc., etc. Portanto, qualquer coisa que eu adiante corre o risco de ser mudada. Só mesmo quando uma novela entra na linha de produção é que se pode garantir determinados fatos que ocorrerão no seu desenrolar.

A inesquecível Lilian Lemmertz, a primeira de todas as Helenas do autor; e Julia Lemmertz, filha dela, a próxima Helena.

Falando em Julia Lemmertz, inevitável não lembrar que a mãe dela, Lilian, foi a primeira Helena de suas novelas. Assistindo a “Baila Comigo” (1981) recentemente, pude comprovar a maestria do trabalho da atriz e a naturalidade assustadora que ela imprimia em todas as cenas, por mais simples que fossem. Você diria que a Helena de “Baila Comigo” é a gênese de todas as outras Helenas? Qual a contribuição da atriz na construção da identidade da personagem?  

Manoel Carlos - Lilian Lemmertz foi, sem nenhuma dúvida, a criadora da Helena e, por extensão, de todas as Helenas que vieram depois. Foi ela quem deu alma ao personagem, ao mesmo tempo em que esculpiu nele o seu próprio gestual, sua inflexão maternal, seu desvelo. Foi ela que deu à Helena esse comportamento dúbio, que mescla generosidade com egoísmo, e mais tudo que a grande atriz que foi Lilian sabia emprestar a todos os personagens que criava. Eu a “namorei” de longe, desde que a vi sobre o palco pela primeira vez, nos anos 60, ao lado de Cacilda Becker e Walmor Chagas, em “Quem tem medo de Virginia Woolf”, de Albee. Era uma jovem de menos de 30 anos, que já iluminava o caminho que viria a percorrer como estrela de primeira grandeza. Vinte anos depois desse encontro, pude dar a ela o personagem de “Baila Comigo”. A filha Julia foi pelo mesmo caminho. Humana e sensível como poucas, só agora terei a oportunidade de escrever para ela o papel criado por sua mãe. Essa oportunidade me deixa muito feliz.


Ainda sobre as Helenas, todas têm em comum o fato de carregarem um grande segredo e serem bastante abnegadas, mas ao assistir à reprise de “Felicidade” (1991), atualmente em exibição no Canal Viva, constatei que a Helena de Maitê Proença, a exemplo das outras, também escondeu um grande segredo, que foi uma falsa gravidez, promovendo, inclusive, o enterro de um tijolo, fingindo ser o bebê morto e enganando toda a cidade. Mas o que essa Helena tem de diferente é o fato de mentir em benefício próprio, ao contrário das outras, que mentiam pra beneficiar alguém. Isso foi de caso pensado? O que mais você pode destacar a respeito dessa novela?

Manoel Carlos - Muitas Helenas se parecem em algumas qualidades e defeitos, mas não em todas, já que ninguém é exatamente igual a outro alguém. Nem entre filhos da mesma mãe e do mesmo pai. As Helenas são uma imitação de pessoas humanas e verdadeiras, pois essa é minha maneira de ver as novelas.  Nem realista ou naturalista, como querem alguns. E nem delirantes. Apenas verossímeis. Possíveis.  No caso de “Felicidade” há que se notar que foi uma novela apresentada às 18 horas, numa época (1991-1992) em que não se podia avançar muito. Além disso, todas as seis ou sete histórias que se entrecruzavam eram inspiradas livremente em contos de Aníbal Machado. Portanto, muita coisa desses contos ficou agregada ao meu trabalho. O elenco era afinadíssimo, com Maitê e Tony formando um par que sempre tive vontade de repetir.

Maitê Proença e Tony Ramos em cena de "Felicidade"

Você também tem planos de escrever uma minissérie.  Ela virá antes ou depois da novela? Prefere esse formato por serem mais curtas?

Manoel Carlos - É verdade e não vou desistir. A minissérie MADAME, inspirada em “Madame Bovary”. Acertei com a direção da TV Globo a produção dessa minissérie para depois da novela. Quem sabe em 2015?
        
O que acha desse novo formato de novelas com menos capítulos às 23 horas? Aceitaria continuar a escrever novelas nesse horário, que proporciona uma liberdade maior para cenas mais ousadas como vimos em “O astro” e “Gabriela”? Que novela sua escolheria para um remake?

Manoel Carlos - Acho excelente. O “Astro” foi muito bem realizado e acredito totalmente no sucesso de “Saramandaia”, que vai ser reescrita pelo Ricardo Linhares, um autor de grande sensibilidade e talento, tanto na comédia como no drama. Eu escreveria com prazer uma novela para esse horário, mas jamais adaptaria uma obra minha. Isso não dá certo. O próprio autor não sabe fazer esse trabalho, é preciso que seja entregue a outra pessoa, que enxergue a tarefa como uma empreitada totalmente nova.

Você talvez seja o autor que retrata melhor o universo feminino.  De onde vem essa inspiração e, com exceção das Helenas, que personagens femininas destacaria em suas obras?

Manoel Carlos - Acho a mulher mais rica do que o homem, como fonte de inspiração. Isso certamente tem raízes na minha trajetória pessoal, pois fui criado mais pela minha mãe do que pelo meu pai, tendo nascido depois que eles tiveram duas meninas, que também participaram da minha criação. Não conheci nenhum dos meus dois avôs, mas minhas duas avós tiveram papéis fundamentais na minha vida, assim como três tias e algumas primas, sendo que foram essas, as primas, que despertaram minhas primeiras paixões de adolescente. Vai nisso também meu amor pelas atrizes, seres incomparáveis, donas de uma personalidade mutante, capazes de rir e chorar com a mesma “falsa verdade”. Para mim não existe nenhuma profissão no mundo melhor do que a de atriz. Sempre divinas e cruéis. Reconheço que todos os meus personagens femininos têm um acabamento melhor do que os masculinos.

Reunião de Helenas.
Pergunta do leitor Rodrigo Ferraz: apesar de paulista, você nunca criou uma Helena nascida aqui. Já pensou em ambientar uma novela em São Paulo, talvez com uma Helena paulistana, quem sabe de descendência judia ou italiana?

Manoel Carlos - Já pensei e ainda penso. Sempre quis, desde que escrevi a minha primeira novela, mas nunca consegui. E acho ótima a sugestão de que fosse descendente de italianos ou judeus. Quem sabe ainda faço?


Você sempre faz questão de incluir em suas tramas o que a emissora costuma chamar de merchandising social, como o caso da violência contra a mulher e o desrespeito contra os idosos em “Mulheres apaixonadas” (2003), a leucemia em “Laços de Família” (2000), a questão da tetraplegia em “Viver a Vida” (2009), Síndrome de Down em “Páginas da Vida” (2006) e o alcoolismo em quase todas as novelas. Ainda assim, você acredita que o objetivo principal de uma novela é o entretenimento ou a função social é algo imprescindível?

Manoel Carlos - Para mim, as duas finalidades se completam. Uma não impede a outra. O que sempre achei é que escrever uma novela, seja para que horário for, é uma grande oportunidade que o autor tem de oferecer alguma ajuda, sem esquecer o entretenimento. E essa disposição foi sempre muito gratificante. 

Trama dos maus tratos aos idosos na novela "Mulheres apaixonadas"

Que cuidados um autor deve ter ao retratar a vida de pessoas reais como a cantora Maysa, retratada em uma minissérie de sua autoria? Qual o limite entre o real e o ficcional?

Manoel Carlos - Escrevi “Maysa” com ampla liberdade. Sem esquecer o que era importante em sua biografia e sem deixar de salpicar a história com cenas e fatos criados por mim. Não sou um biógrafo, mas um ficcionista. O resultado foi muito feliz e teve a concordância do filho da Maysa, o Jayme Monjardim, que assinou a direção do projeto.  

Larissa Maciel dando vida à cantora Maysa

Como é a divisão de trabalho entre você e seus colaboradores? Você costuma dar a liberdade a eles para criar dentro da escaleta ou sugerir novos rumos para as tramas?

Manoel Carlos - Não tenho um regulamento para isso. Muitas vezes divido o trabalho, outras vezes entrego o capítulo para que eles o escrevam integralmente, Não sigo uma regra, como em quase tudo na minha vida. Minhas escaletas, quando existem, são precárias, incompletas, com mais sugestões do que determinações. Trabalho há muito tempo com as mesmas pessoas. Se possível serão sempre elas, ainda que eu queira que alcem vôos solos, assinando seus próprios projetos, já que são capazes de realizar esse trabalho.

Você, talvez, seja o autor que mais consegue dar dimensão humana aos personagens, mas ao mesmo tempo suas histórias são repletas dos elementos mais tradicionais do melodrama, como segredos de família, trocas de bebês e outras coincidências do destino. Como consegue driblar os clichês e as armadilhas do gênero para compor um painel de personagens sempre tão rico e diverso?

Manoel Carlos - Mas eu não acho que drible os clichês. Uso todos que me pareçam necessários. Afinal, a vida é feita de lugares-comuns. Não fazemos mais do que repeti-los. O Millôr Fernandes escreveu uma vez que a originalidade é a coisa mais velha do mundo. Conheço uma outra reflexão muito interessante de um autor que não me lembro agora: “O lugar comum é obra de gênio”.  O que distingue um autor do outro é a maneira de repetir e encarar esses estereótipos. Uma vez, numa conferência que eu assisti do genial Agripino Grieco, ele disse que muitas pessoas o criticavam por contar, nas palestras, sempre as mesmas histórias, repetir as mesmas piadas, etc. E ele então perguntava: “Não temos diariamente o mesmo pôr do sol e a mesma aurora?” E concluía: “E Deus, afinal de contas, tem mais recursos do que eu!”.

Qual sua posição pessoal a respeito da classificação indicativa? Até que ponto ela limita o trabalho do autor?

Manoel Carlos - Perto do que já existiu de limitação ao trabalho de um autor, a classificação é uma benção. Nem obrigatória ela é, mas apenas indicativa, como o nome diz.  E vale lembrar que em outros países, como nos Estados Unidos, é bem pior.

Na entrevista para o livro “Autores”, você conta que a reação do público acabou mudando os rumos da trama em “Sol de Verão” (1983) em que o personagem do Tony Ramos se envolveria com a personagem de Carla Camuratti e isso acabou não acontecendo. Até que ponto deve-se fazer concessões para que a autoria não se perca de vista? Citaria algum exemplo inverso, em que você não cedeu ao clamor popular?

Manoel Carlos - A novela de televisão sempre precisará da aprovação da audiência. E essa aprovação, muitas vezes, exige mudanças pontuais exigidas pelo público.

Você é noveleiro? Quais são as novelas preferidas do Manoel Carlos espectador?

Manoel Carlos - São muitas, mas cito apenas três: “Mulheres de Areia”, de Ivani Ribeiro, “Que Rei sou eu?”, de Cassiano Gabus Mendes e “Nina”, de Jorge Andrade.

Já pensou no elenco da nova novela?

Manoel Carlos - Reservei alguns nomes, além da Julia Lemmertz. Não me lembro de todos neste momento, mas entre eles estão: Tony Ramos, Vivianne Pasmanter, Natália do Vale e Helena Ranaldi. Gostaria de ter a Mel Lisboa, uma atriz que a Globo, a meu ver, não poderia ter perdido, mas quem sabe... não é?  

Há alguma atriz para quem você gostaria de escrever, mas que nunca escreveu?

Manoel Carlos - Glória Pires, sem nenhuma dúvida. E não perdi a esperança.

Para terminar, qual o papel da telenovela na vida do brasileiro?

Manoel Carlos - Muito presente no dia-a-dia e de ampla aceitação em todas as classes sociais, econômicas e culturais. Nada se compara a ela, pela diversão que proporciona e – muitas vezes – pela reflexão que provoca sobre temas comuns na esfera humana. Falar para milhões é – afinal de contas – o sonho dourado de qualquer escritor. E o novelista de televisão realiza esse sonho diariamente.

Foto: Cícero Rodrigues para o livro "Autores"


*SERÁ MESMO PESSOAL! NATÁLIA NA PROXIMA NOVELA DO MANECO! SE EU DISSER QUE ESTOU ESTUPIDAMENTE FELIZ VOCÊS ACREDITAM!?

att,
Ingrid Grandini

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